O ninho com lindos ovos nessa cor deslumbrante foi registrado pelo guia José Batista Alves – também conhecido como Zeca -, durante expedição com visitantes ao Legado das Águas, a maior reserva particular de Mata Atlântica do país.
Pra mim – e de acordo com a quase totalidade de minhas pesquisas -, o tom é azul-turquesa. Para outros, no entanto, a cor certa é azul-esverdeado, que lembra o tom marcante da grife francesa Tiffany, veja só.
Mas vou deixar de lado picuinhas sobre a tonalidade dos ovos e me ater a sua descoberta.
Zeca passeava pela trilha Cambuci – que tem pouco mais de 2 km, e é uma das muitas oferecidas pelo Legado –, com um grupo de turistas, quando avistou o ninho e o fotografou.
Durante a primavera, é comum encontrar ninhos de aves com ovos porque muitas espécies se reproduzem nessa estação. Comum desde que você esteja na altura certa para admirá-los porque a maioria é construída nos galhos altos das árvores, com exceção deste, que fica no solo.
Por isso, o guia, que trabalha no Legado desde 2016, já fotografou vários ninhos como este, de macuco (Tinamus solitarius). “É muito comum ver ninhos dessa espécie com ovos, aqui na reserva, e também a ave. E nem falo de quando acontece o festival de birdwatching, mas de passeios comuns como o que fiz nesse dia”.
A espécie é uma das que habitam o Legado e sua presença é garantia de conservação. Sem dúvida, um atrativo e tanto para turistas, mas aqui vale um alerta.
Nunca se deve sair da trilha, se afastar do grupo, nem se aproximar demais dos ninhos, muito menos tocá-los. No caso do macuco, mais ainda, justamente porque ele constrói o ninho no chão – onde deposita de 3 a 5 ovos grandes -, o que o torna muito acessível e pode aguçar mais a curiosidade.
Se você mora em região de Mata Atlântica densa e preservada, é bem possível que já tenha visto o macuco. Eu, nunca! Nem mesmo quando participei de trilhas no Legado das Águas. Mas isso foi há cinco anos, e a exuberância da mata certamente se fortaleceu muito de lá pra cá.
Segundo Zeca, é bem possível, inclusive, observar um casal de macucos cuidando dos filhotes, ou o macho chocando os ovos. Sim, é ele o responsável por essa tarefa.
Só sei dizer que fiquei maravilhada com os ovos azul-turquesa – que ainda quero ver ao vivo – e (enquanto pesquisava imagens da espécie) também com pés e pernas do macuco, em tom azul-acinzentado. Reparou?
O macuco: características, hábitos, ameaças
O nome macuco vem do tupi-guarani (mocoico érê) e do tupi (ma’kuku) e o nome científico da espécie – Tinamus solitarius – soma os nomes da família (tinamídeos) com a palavra ‘solitário’ por serem aves independentes e solitárias.
Endêmica da Mata Atlântica nas regiões nordeste, sudeste e sul do Brasil, a espécie ocorre também no sul de Goiás. Prefere regiões próximas a riachos, em áreas acidentadas, inclusive em grotas e encostas pedregosas, pois esses locais facilitam “o empoleirar” e dificultam a “ação de predadores terrestres”.
Frequenta trilhas na mata – veja só! -, em vez da mata fechada, o que talvez se explique pela facilidade de avistar a aproximação de predadores. Tem olhos sagazes e é rápida na fuga.
Características
Machos e fêmeas se encontram para acasalar e se separam logo que ela põe os ovos (azul-turquesa ou, para alguns, azul-esverdeado como a cor da griffe francesa Tifany) num ninho rudimentar no chão da mata, em meio a raízes de grandes árvores ou ao lado de troncos caídos.
Esse é o momento em que as fêmeas vão embora “para cuidar de outros afazeres” e os machos se põem a chocar os ovos durante 19 a 21 dias. Quando eclodem, papais cuidam dos filhotes, protegendo-os de qualquer ameaça, permanecendo no solo até que eles voem com ele para um galho alto e depois mostrem-se independentes.
Os pés e as pernas do macuco – na cor azul-acinzentada, como contei – sustentam o corpo ovalado coberto por penas pequenas e macias.
A cor das penas do corpo é predominantemente cinza, com nuances de azul e verde e pequenas manchas negras, com desenhos nas penas traseiras em marrom-ferrugem.
Seu peito largo sugere que o macuco é grande, mas, em geral, varia entre 1,5 e 2 quilos e 52 centímetros de altura. E há relatos de que fêmeas podem chegar a 2,5 quilos.
O pescoço é pequeno e delicado, em tom de bege escuro.
Hábitos
Alimenta-se de sementes, tapiá (árvore de madeira mole), tangerina do mato, frutos duros como os coquinhos do palmito, além de insetos e vermes. Vez ou outra pode ingerir pedrinhas que encontra no solo ao lado de frutos.
E esta arisca espécie adora tomar banho.
Sua vocalização principal consiste em um único pio meio agudo e bem espaçado, sendo o pio do macho mais curto que o da fêmea”, explica Marcos Massarioti, no site WikiAves. O piado dificulta sua localização por predadores e só é identificado, com exatidão por outro macuco.
“Na época da reprodução, quando empoleiram, emitem três pios seguidos. As fêmeas são dominantes e territoriais, e um casal geralmente se localiza no limite de audição do pio de outro casal, ou seja, aproximadamente a cada 200-250 metros”.
Para ouvidos humanos, seus piados distantes mais de 50 metros na mata exigem atenção maior do observador.
De acordo com xxxxx, no WikiAves, “sua reprodução em cativeiro é bem-sucedida, devendo ser incentivada para o repovoamento das florestas remanescentes, paralelamente ao replantio de mata nativa, em áreas desflorestadas ou degradadas, garantindo a preservação futura dessa espécie e de outras tantas da Mata Atlântica”.
Ameaças
A principal ameaça, que pode contribuir para colocar o macuco em risco de extinção é o desmatamento, pois ele prefere a mata primária, não se adaptando à secundária devido à vegetação rasteira, que impede sua visão e seu deslocamento.
A pressão da caça ainda existe, mas como seu pio não é facilmente identificado, não é considerada grande ameaça para a espécie. Claro que os mateiros são astutos e procuram imitar seu pio especial com um apito-grilo ou, ainda, raspando o facão na terra úmida (faixa de 5 a 10 metros), que atrai a ave pela possibilidade de encontrar vermes.
Com exceção do ser humano, o macuco tem diversos predadores naturais: como cachorro do mato, coruja, furão, gambá, gato-do-mato, gavião, guaxinim, irara, jaguatirica, onça-parda e quati.
Mas também tem, em lagartos, queixadas e catetos, inimigos que podem atacar seus ovos e filhotes. Outra ameaça, classificada como exótica e crescente, é o javali, uma praga que dizima toda a fauna silvestre terrestre e pode ser caçada em todo o Brasil.
O Legado das Águas
Ele ocupa mais de 31 mil hectares – quase o tamanho de Curitiba – e fica no Vale do Ribeira, sul do estado de São Paulo, entre as cidades de Juquiá, Miracatu e Tapiraí